segunda-feira, 3 de dezembro de 2007

Criando um monstro!

A Fabi sempre teve um parafusinho a menos na cabeça e o engraçado é que ela mesma admitia isso, falava no assunto sem problema algum.

- Desde pequena sempre fui diferente das outras crianças. Considerada uma adultinha entre meus amigos, e responsável entre os mais velhos, eu era a pessoa do grupo que tomava conta, a prevenida, que pensava em todas as possibilidades catastróficas para cada situação. Falo isso sem problemas, até porque acredito que com os 30 anos que tenho hoje, não sou mais assim, meu ascendente em aquário já fala mais alto que meu signo em câncer.
Além disso, essa paranóia, mania de perseguição ou prevenção aguçada, como quiser chamar, me foi muito útil em dois sentidos da minha vida.
Sempre foi difícil acontecer algo realmente ruim comigo... Imagina que a paranóia era tanta que calculava a distância dos passos do estranho que caminhasse atrás de mim, previa todas as alternativas de fuga, de caminhos alternativos quando passava por uma obra em construção imaginando o Jack estuprador dentro dela.
Fora todo esse cuidado, hoje vejo que penso de forma muito rápida - sério, sem falsa modéstia - e sou capaz de contrapor hipóteses, imaginar situações, inventar versões e histórias como ninguém.
Ou seja, vendo o lado positivo de tudo isso, ao menos estou vivinha da silva e a minha profissão foi beneficiada com tudo isso. Quanto mais criatividade, melhor! Que assim seja!

Eu e a Fabi viajamos por três dias no total, num início de agosto quente. Nosso destino final era Uberlândia, cidade que faz parte do triângulo mineiro junto com Uberaba e Araguari entre outros municípios da região, bem ao norte de Minas Gerais, pertinho de São Paulo.
Apesar de estarmos a trabalho, eu como produtora e figurinista e a Fabi como representante da agência de comunicação da empresa para a qual trabalhávamos no evento – Ela na verdade era a designer que havia criado a concepção da passarela e do stand-deu pra perceber que já estávamos praticamente íntimas (como só as mulheres sabem ser) e nossos papos iam muito além da boca de cena e das luminárias da passarela.

Num dos papos foi que trouxemos essa história da infância, a caminho de Uberlândia, ainda no avião. Eu também falei um pouco da minha infância, que olhando pra trás, via como tinha sido boa, cheia de brincadeiras nas ruas, cheia de ingenuidade, amigos, arte e poesia, como a infância de uma criança deve ser. Claro que hoje me sinto um pouco verde pras coisas, aprendendo muitas delas pela primeira vez, mas acho que isso não chega a ser um defeito, nos tempos de hoje talvez seja até uma qualidade.

Enfim, papo vai papo vem, chegamos ao nosso destino. Ficamos hospedadas no mesmo hotel que ficava bem em frente à casa de espetáculos que íamos trabalhar. Colocamos a mão na massa logo pela manhã e só paramos às dez da noite. Logo depois que terminamos tudo, fomos pros nossos respectivos quartos tomar um banho, ficar bem cheirosas e zarpar pra noite. Ao menos a esse luxo nos permitíamos nas viagens, depois de trabalhar feitos camelos, escolhíamos o restaurante mais chique e badalado da cidade e a diversão tava garantida e só começando.

Nessa viagem havíamos construído mais um tijolinho da nossa “amizade”. Estávamos mais próximas, trocando confidências com uma sintonia fina.

Já na recepção vi que a Fabi tava diferente, pálida feito um fantasma. Quando chegamos ao restaurante é que ela me contou:

- Ai colega, não sei se voltei a pirar, se essa volta à infância tem alguma coisa a ver, mas aconteceu uma coisa muito estranha enquanto fomos tomar banho.

- “Nossa que poderia ter acontecido, o jatinho do banheiro virou um monstro enquanto ela tomava banho? Tinham colocado veneno no ar condicionado? Havia alguém embaixo da cama? Essa Fabi deve ser uma louca mesmo, já pensava eu cá comigo mesma”, mas como boa representante da ala feminina, fiz cara de espanto e interesse e pedi que contasse em detalhes o que de tão estranho tinha acontecido.


- Sabe o que foi, pode ser uma bobagem ou não, mas quando eu tava entrando no banho o telefone tocou. Tinha uma voz de homem do outro lado da linha que disse:
- Quem fala?
- É a Fabiana.
- Mariana?
- Fabiana!
- Juliana?
- Fabiana!!
- Mariana?

- Lá pela quarta vez me senti uma idiota e desliguei na cara do ser. Só podia ser um trote! Mas quem teria interesse em me passar um trote? Isso é coisa de criança e a voz era de homem feito. Liguei pra recepção e perguntei se tinham me telefonado. Responderam que não. Perguntei quem poderia me ligar direto, sem telefonista. Apenas os demais quartos. A princípio não me assustei, mas já no banho voltei a pirar como se tivesse doze anos. “E se for um psicopata? Já tinha visto muitos filmes com esse perfil, eram frios e insistentes. E se me viu chegar e ficou obcecado? Provavelmente tava seguindo todos os meus passos. E se me viu pela janela do quarto, pelada? Podia ser um tarado. E se o apartamento dele fosse ao lado do meu e desse pra me ouvir?”.

- Calma Fabi, não esquenta. É muito comum passarem trote. Eu mesma já recebi milhares de trotes na minha casa e não passou disso. Esquece essa bobagem, vamos curtir o finzinho de noite que nos resta!

22h da noite do dia seguinte, passado o extenso dia de trabalho.

- Fomos direto prum barzinho que ficava na praça principal da cidade – Sim, em Uberlândia ainda se faz jus às praças. Havíamos conhecido uma turma na noite passada e ficamos sabendo que esse era o point da cidade, tinha um climinha alternativo e chique ao mesmo tempo – Sim, em Uberlândia existem lugares legais.
Na verdade esse bar tinha o nome da praça onde estava localizada, em homenagem a árvore que cobria todo o bar e boa parte da praça, pura poesia o tal de Belvedere.

Lá pelas tantas a Fabi volta na história do telefonema:

- Sabe, eu ainda to encubada com essa história. Nem te contei, mas ontem quando tava entrando no quarto de madrugada um homem muito suspeito tava passando pelo corredor e quando me virei pra olhar quem era ele tava me encarando. Coincidência né? Num hotel tão business um cara passando as 3 da madrugada pelo corredor. Sei não..

- “A meu deus, de novo essa ladainha, guria bem chata quando assume essa personalidade doente!” Polidamente disse: Fabi pensa comigo, se fosse um psicopata já teria se manifestado, não achas? Até porque saberia que vais embora amanhã e que o tempo dele é curto pra agir.


2h da madrugada
Ao chegar no hotel combinamos o dia seguinte.
- Amanhã te encontro às 6h no café. Nosso vôo é às 8h. Não pude conter a ironia e dando risada soltei: “Fabi! Cuidado com o bicho papão, ele pode te pegar”.
Vi que ela levou na brincadeira e nos despedimos rindo muito.

Na verdade, vim a saber as novas confidências no dia seguinte, durante o nosso vôo de volta. Quando nos despedimos no elevador, no dia anterior, pensei que a Fabi estava se divertindo com a brincadeira do bicho papão, mas não, aquele remember trouxe a tona um assunto que a bebedeira já tinha tratado de ocultar.

(Relatosdabêbadapsicótica):
- Putz, saí do elevador dando risada, mas cheguei ao quarto e não conseguia pregar o olho. Tava num excitamento! Sabe aquela palpitação no coração de quando estamos apaixonada mesclada com a sensação de vertigem/enjôo que ficamos quando olhamos pra baixo, de uma altura de 50 andares?
Era assim que eu me sentia. Claro que um pouco era pelo excitamento pós-evento, porque sempre fico na adrenalina, mesmo tando cansada. Mas outro TANTO era pelo pavor de apagar a luz e pensar no psycho.
Não conseguia pregar o olha e nem queria, me borrava só de imaginar a luz apagada. Fiz palavras cruzadas, tentei ler um pouco. Lá pelas 3h (parecia que já tinha passado uma eternidade) parei com essa bobagem e botei meu ascendente pra trabalhar. Tomei vergonha na cara e apaguei a luz! Sô louca, mas nem tanto. Um mulherão de 30 anos com medo do bicho papão. Mudei os rumos e tratei de pensar em coisas boas. “Pensei insistentemente em mar, praia, sorrisos, abraços, como aquelas fotos de bancos de imagens super fakes, mas incrivelmente perfeitas pra esse momento”. Quando já tava pregando o olho...

- “Nossa, vai ver que o chuveirinho começou a falar dessa vez”. Contrariando a personificação da ala feminina, fiz cara de tédio enquanto ouvia o desfecho da história.

(Continuação dos Relatosdabêbadapsicótica):
- O telefone tocou. Fiquei imóvel. Gelada. Meus batimentos cardíacos foram aos céus.
3 da madrugada!!!!! Quem me ligaria a essa hora?????
Segui imóvel na cama e a essas alturas meus batimentos já acompanhavam o toque do telefone como uma sinfonia. Puta que pariu pensei, porque isso ta acontecendo comigo? Logo eu! Decidi deliberadamente não atender, por nada desse mundo.
A criatura já tava na quinta ligação sem parar, tava ficando insuportável pra mim e num ato impulsivo atendi a porra do telefone.

- Alô!
- Fabiana?
- A mesma voz masculina de homem feito. Desliguei na cara e tremendo liguei pra recepção.

- Oi, gostaria de saber se a recepção telefonou pro quarto 412 agora?
-Sim Sra. Fabiana, desculpa incomodar a essa hora, mas está tendo um vazamento no quarto 414, ao lado do seu, e a única forma de mexer nos registros é através do seu apartamento. Teremos que subir aí agora Sra. Fabiana. Em nome do hotel lhe peço desculpas.

- Meu mundo caiu. Me vesti, recebi os viventes (quatro homens entraram no meu apartamento pra concertar o vazamento) e não preguei o olho a noite toda.
Fiquei pensando em tudo isso, recapitulando todos os fatos e sabe que percebi uma melhora na minha atitude. Ficou claro pra mim que aos pouquinhos, cada vez mais eu tava me curando de toda essa loucura que a infância me remetia. Pensa comigo, se eu tivesse realmente paranóica, teria pensado também na hipótese de o hotel estar pegando fogo e não apenas de ter um psicopata atrás de mim. Você não concorda?

Nenhum comentário: